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Medindo campos magnéticos com o CSA-1V

O circuito integrado CSA-1V é um dispositivo para medidas precisas de campos magnéticos. Ele é fabricado pela Sentron, uma das companhias da Melexis, e seu funcionamento, como será esclarecido mais adiante, é baseado no efeito Hall. A Figura 1 mostra uma imagem do CSA-1V, cujo emcapsulamento SOIC-8 é adaptado para a montagem em superfície (SMD). Neste artigo, veremos o princípio de funciomento desse dispositivo, bem como usá-lo no circuito de um gaussímetro ou, como é preferível, sonda Hall. Também veremos como fazer a calibração da sonda Hall usando um solenoide comum.

Figura 1 – Imagem do CSA-1V (Fonte: http://www.melexis.com)


1 COMO FUNCIONA?

O funcionamento do CSA-1V é baseado no efeito Hall, exemplificado na Figura 2. Imagine que o bloquinho preto abaixo é um pedaço de uma fita condutora, que faz parte do circuito vermelho. Por essa fita, passam uma corrente elétrica (seta vermelha), gerada pela fonte, e um campo magnético (seta azul), de maneira que a direção da corrente e a direção do campo fazem um ângulo de 90º.

Figura 2 – Configuração do circuito em que se observa o efeito Hall. (Fonte: http://www.coolmagneticman.com)


O campo magnético desloca as cargas elétricas (geralmente, elétrons) que formam a corrente para um dos lados da fita. Um dos lados da fita será mais eletricamente negativo, e o outro será mais eletricamente positivo, como sugere a Figura 3. Essa diferença das cargas entre os lados da fita cria uma tensão elétrica, chamada de tensão Hall. Se a corrente elétrica no circuito for constante, a tensão Hall varia proporcialmente com a intensidade do campo magnético.

Para se aprofundar nos detalhes matemáticos do efeito Hall, veja este link, ou leia algum dos livros de Física do ensino superior sugeridos nas referências deste artigo.

Figura 3 – O deslocamento das cargas elétricas para as bordas da fita cria uma diferença de potencial chamada tensão Hall. (Fonte: http://www.nobelprize.org)


2 MONTAGEM DO CIRCUITO

Antes de montar o circuito, é preciso conhecer as condições de operação do CSA-1V, que estão anotadas na Tabela 1, e pinagem desse componente, mostrada na Figura 4. Em geral, o CSA-1V é alimentado com +5 V contínuos, consumindo assim uma corrente entre 11 mA e 16 mA. O CI pode operar de -40 ºC a 125 ºC, e sua corrente de saída deve estar na faixa entre -1 mA e 1 mA. Além disso, é necessário observar se o perfil do campo magnético que será medido não ultrapassa valores de 10 mT (ou 100 G) ou frequências de 100 kHz, que estão acima das condições de leitura do CSA-1V. Por fim, após a montagem do circuito, que será descrita a seguir, é necessário observar o valor de offset da tensão de saída para garantir que o CI esteja funcionando corretamente. Esse offset é a resposta do dispositivo ao campo magnético de fundo (quando não há fontes de campo magnético por perto), e é um parâmetro essencial na calibração da sonda Hall. Caso a tensão de saída ultrapasse 20 mV (positivos ou negativos) somente para o campo de fundo, o CSA-1V utilizado foi provavelmente danificado.


Tabela 1 – Condições de operação do circuito integrado CSA-1V. (Fonte: Referência [1])

1: Testes feitos a 20 ºC. Esse offset é uma leitura do campo magnético de fundo, devido especialmente ao campo magnético da Terra.

2: Tesla (T) é a medida de campo magnético no Sistema Internacional de Unidades (SI), mas também é comum o uso da unidade Gauss (G). A proporção entre as unidades é tal que 1 T = 104 G.

3: Acima dos valores limitantes, a saída do CI satura, mas o dispositivo não é danificado.

Figura 4 – (a) Circuito de uma sonda Hall com o CSA-1V e (b) orientação para medidas positivas do campo magnético. O chanfro no CI indica a posição do pino 1 (Fonte: Referência [1])

As nomenclaturas do pinos do CSA-1V no esquema da Figura 4 são as seguintes:

  • Pino 1 – A_Out: saída analógica do sensor;

  • Pino 2 – Vdd: tensão positiva de alimentação;

  • Pino 3 – n. c.: não conectado;

  • Pino 4 – VP: tensão de programação;

  • Pino 5 – GND: terminal comum da alimentação (terra);

  • Pino 6 – PD: dados de programação;

  • Pino 7 – PC: clock de programação;

  • Pino 8 – CO_Out: terminal comum da saída.

Para a montagem do circuito, recomenda-se utilizar somente dispositivos SMD, pois o ruído nesse tipo de montagem é bastante atenuado em comparação à montagem tradicional (e é por essa razão que o CSA-1V usa um encapsulamento SMD). O capacitor de 100 nF é feito de cerâmica, e por segurança, a folha de dados do CI recomenda a inserção de um segundo capacitor no circuito, de mesmo valor nominal e paralelo ao primeiro capacitor, o que evita distúrbios da tensão de alimentação por intereferência eletromagnética.

Outra recomendação, que advém da experiência do LIEPO, é usar baterias ao invés de fontes de alimentação de bancada para alimentar o circuito da sonda Hall, já que o ruído intrínseco desses equipamentos pode influenciar negativamente as leituras do CSA-1V. Para usar as baterias, é necessário construir reguladores de tensão, que convencionalmente usam o LM7805. Recomenda-se fazer a conexão entre o circuito regulador e o circuito da sonda Hall com um campo coaxial, para isolar os sinais no circuito de qualquer interferência eletromagnética. Os terminais de saída do CI podem ser ligados a um conector BNC, que pode estar na mesma caixa que o regulardor de tensão, como exemplifica a Figura 5 e mostra a Figura 6. A partir desse conector BNC, é possível ligar a saída da sonda Hall a um múltimetro ou a um osciloscópio, e assim, visualizar a tensão de resposta ao campo magnético. É necessário somente colocar, em um campo coaxial, conexões BNC e plugues “banana”, caso um multímetro seja usado, ou conexões BNC em ambos lados do cabo, caso um osciloscópio seja usado.

Figura 5 – Diagrama de blocos da montagem recomendada para a alimentação e a aquisição da tensão de saída do circuito da sonda Hall. (Fonte: Referência [1])

Figura 6 – Caixa com o circuito regulador de tensão e o conector BNC, montada no LIEPO. A partir de uma bateria de 9 V, o circuito regulador mantém 5 V de saída em dois pinos do conector VGA. Um cabo para esse conector liga a alimentação os pinos 2 e 5 do CSA-1V, e também transmite os sinais de saída dos pinos 1 e 8 para o conector BNC, utilizando outros dois pinos do conector VGA. Com um cabo coaxial de conexões BNC-”Banana” ou BNC-BNC, podemos visualizar a tensão de saída em um multímetro ou em um osciloscópio, respectivamente. (Fonte própria)


3 CALIBRAÇÃO DA SONDA HALL

Como todo equipamento de medidas, é necessário calibrar a sonda Hall antes de usá-la. A maneira mais simples e eficiente de obter campos magnéticos de valores conhecidos é usando um solenoide longo, enrolado uniformemente em uma camada de fio, como é apresentado na Figura 7(a). O campo interno de solenoide é praticamente constante, conforme mostra o esquema na Figura 7(b), e a expressão matemática para o cálculo do campo é

na qual B é o campo interno do solenoide em teslas (T), μ0 é uma constante física chamada permeabilidade magnética do vácuo*, e é igual a 4π×10⁻⁷ newtons por ampere ao quadrado (N/A²), N é o número total de voltas que formam o solenoide, L é o comprimento total do solenoide, em metros (m), e I é a corrente elétrica em amperes (A). A demonstração do cálculo do campo interno do solenoide pode ser vista nos livros de Física referenciados neste artigo.

Figura 7 – (a) solenoide longo construído (fonte própria) e (b) esquema de um solenoide longo, cujo campo interno é praticamente uniforme (fonte: http://brasilescola.uol.com.br).

Na Equação (1), conhecidos o número de voltas N e o comprimento L, que são parâmetros do solenoide, e aplicando uma corrente I constante, medida com um multímetro, podemos calcular facilmente o campo interno do solenoide. Por exemplo, para o solenoide da Figura 7(a), que tem N = 415 voltas e L = 26 cm = 0,26 m, o cálculo do campo seria, pela Equação (1),

ou seja, se uma corrente de 1 A passar pelo solenoide, o campo interno será por volta de 0,002 T ou, multiplicando o resultado por dez mil, 2 G. Essa precisão no cálculo do campo magnético será usada na calibração da sonda Hall.

Inicialmente, é preciso dispor de um solenoide longo. Na prática, o adjetivo longo quer dizer que o comprimento é significantemente maior que o diâmetro do tubo no qual o solenoide será enrolado. No solenoide da Figura 7(a), por exemplo, o diâmetro externo do tubo usado é por volta de 6 cm, o que faz do comprimento pouco mais de quatro vezes maior que desse diâmetro. O fio deve ser enrolado bem rente ao tubo, de maneira uniforme e em uma única camada. O comprimento L do solenoide é o comprimento da camada de fio enrolado. Caso o número de voltas dados seja esquecido, olhe a tabela de fios AWG e veja qual é a quantidade de espiras (voltas) por unidade de comprimento que podem enroladas com o fio usado.

Após o enrolamento do solenoide, encontre alguma maneira de posicionar o circuito da sonda Hall bem no meio do solenoide, sem encostar nas paredes internas do tubo. Antes de conectar o solenoide àlguma fonte de alimentação, verifique se a tensão de saída para o campo de fundo está dentro da faixa do offset previsto na Tabela 1. Se estiver tudo certo, passe para a próxima etapa. Caso o contrário, o CI está danificado e é necessário fazer uma nova sonda Hall.

Abra uma planilha do Excel, ou uma planilha do Calc do LibreOffice ou qualquer outro programa similar. Três colunas serão usadas de início: uma coluna para anotar os valores da corrente, uma coluna para anotar a tensão de saída quando há corrente pelo solenoide e uma coluna para anotar a tensão de saída quando não há corrente pelo solenoide. À primeira vista, os valores da terceira coluna podem parecer desnecessários, mas eles serão usados para caracterizar o campo de fundo. Com tudo pronto, siga os seguintes passos:

  1. Observe o sentido do campo dentro do solenoide pela “regra da mão direita” (não é precisa lembrá-la, né?). Veja se o sentido do campo tem a mesma orintação ou é contrário ao sentido de leitura da sonda Hall, vista na Figura 4(b). O sentido relativo entre o campo e a leitura do CSA-1V determinará o sinal da tensão de saída;

  2. Ajuste um valor de corrente através do solenoide, anote-o na primeira coluna, e em seguida, anote o valor estabilizado da tensão de saída na segunda coluna;

  3. Corte a corrente através do solenoide e anote o valor estabilizado da tensão de saída na terceira coluna.

  4. Repita os procedimentos 1 e 2 para outros valores de corrente, observando sempre se o campo não ultrapassou o valor de saturação (veja a Tabela 1) ou se a corrente não está esquentando demais o solenoide. Uma lista de valores será obtida;

Depois de completar os pssos anteriores, mais duas colunas serão usadas: uma coluna para os valores do campo magnético e uma coluna para a diferença entre a tensão de saída quando havia corrente no solenoide e a tensão de saída após a corrente ser cortada. A razão de fazer a diferença das tensões de saída é que a tensão de saída com o solenoide energizado tem uma parte devida ao campo do solenoide em si, que é de interesse para a calibração, e uma parte devida ao campo de fundo, que não é interessante. Assim, subtraindo os valores de tensão, os valores de tensão de saída correspondentes unicamente ao campo do solenoide são obtidos.

Para calcular os valores do campo, bastante usar a Equação (1) com valores de N e de L do solenoide usado. Suponha, por exemplo, que os valores da corrente estão na coluna A da planilha do Excel, da célula A1 até a célula A10. Caso o solenoide da Figura 7(a), que tem N = 415 voltas e L = 0,26 m, seja usado, e o valor de A2 é 0,1 (amperes), basta escrever


=4*PI()*(1E-7)*(415/0,26)*A1


na célula D2, por exemplo, para calcular o campo magnético interno do solenoide em teslas com uma corrente de 0,1 A. Daí, é preciso apenas copiar o conteúdo da célula D2 e colá-lo nas células abaixo para calcular o campo correspondente às correntes das células A3 até A11. O comando acima é equivalente às Equações (1) e (2) para um célula de planilha no Excel.

Da mesma maneira, suponha que a coluna B seja a coluna das tensões de saída quando havia corrente no solenoide e a coluna C seja a coluna das tensões de saída após a corrente ser cortada, tais que as células usadas são de B1 a B10 e de C1 a C10, respectivamente. Na coluna E, por exemplo, escreve-se


=B1-C1


para subtrair os valores das tensões de saída. Da mesma forma, o conteúdo da célula E1 pode ser copiado e colado nas células abaixo para as diferenças dos demais valores de tensão sejam feitas.

Supondo novamente que a coluna dos valores de campo magnético seja a coluna D e a coluna das diferenças de tensão de saída seja a coluna E, se as medidas foram feitas corretamente, espera-se que o gráfico do campo magnético versus as diferenças de tensões seja uma reta (procure como fazer gráficos no Excel e verifique essa condição). Assim sendo, escreva os comandos


=INCLINAÇÃO(D1:D10,E1:E10)


e


=INTERCEPTAÇÃO(D1:D10,E1:E10)


em duas células quaisquer da planilha, como F1 e F2, para calcular o coefiente angular e o coeficiente linear, respectivamente, da reta formada pelos pontos de (E1,D1) até (E10,D10). Na equação da reta em (3), o coefiente angular (a) multiplica a variável x, e o coeficiente linear (b) soma-se a esse produto:

No entanto, os valores dos coeficientes angular e lineares calculados na planilha sugerem que o campo magnético (B) é equivalente à variável dependente y, e a diferença das tensões de saída (ΔV) é quivalente à variáel independente x. Portanto, pode-se escrever

que é a equação de calibração da sonda Hall. Com a Equação (4), pode-se calcular qualquer valor assumido por um perfil de campo magnético com base na tensão de saída da sonda Hall. Basta subtrair do valor medido o valor médio da tensão de saída correspondente ao campo de fundo (daí a importância de caracterizar as respostas da sonda Hall ao campo de fundo) e aplicar o valor obtido na Equação (4).

Como consideração final, é interessante obter o valor médio da tensão de saída para o campo de fundo toda vez que uma nova série de medidas for realizada, pois ainda que a equação de calibração tenha uma validade geral, o perfil de campo pode variar, ainda que pouco. Ainda assim, não é incomum supor um offset padrão para o campo de fundo, sem caracterizá-lo propriamente. Esse valor pode ser 10 mV, que é a metade do valor máximo do offset permite para o CSA-1V.


*Mesmo que o solenoide não esteja no vácuo, o valor da permeabilidade magnética do ar é bem próxima de μ0.

REFERÊNCIAS

Folha de dados do CSA-1V:

SENTRON-MELEXIS. CSA-1V: Current Sensor. 2008. Disponível em: <https://www.melexis.com/en/product/csa-1vg/90khz-imc-hall-current-sensor>. Acessado em: 20 nov 2016.

Livros de Física recomendados para se apronfundar nos conceitos tratados neste artigo:

TIPLER, P. A. Física para cientistas e engenheiros. Volume 3 (Edições mais novas), Volume 2 (Edições mais velhas). (Favorito do autor do artigo)

HALLIDAY; RESNICK, WALKER. Fundamentos de física. Volume 3. (Qualquer edição)

NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica: Eletromagnetismo. Volume 3. (Qualquer edição. Mais avançado).

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